quinta-feira, 26 de maio de 2011

JORNAL GERAES: VEÍCULO DE RESISTÊNCIA, DENÚNCIA E CULTURA

Tadeu Oliveira (*)

Imagem cedida por José Caludionor
Em fins da década de 1970, o quadro político nacional permitiu o surgimento e fortalecimento da imprensa alternativa, possibilitando aos estudantes e trabalhadores do Vale do Jequitinhonha que migraram para Belo Horizonte e outros centros urbanos o contato com várias destas publicações. Alguns destes estudantes militavam nos movimentos de esquerda durante o período mais crítico da ditadura.  Influenciados pelas idéias dos movimentos sociais, estudantis, políticos e culturais emergentes veiculadas nas páginas da imprensa alternativa, idealizaram juntamente com outros jovens residentes no Vale, a criação de um jornal alternativo.

Assim, em março de 1978, nascia o jornal Geraes. Inicialmente, a idéia dos fundadores era que sua circulação fosse restrita à região de Pedra Azul, Araçuaí, Almenara, Padre Paraíso, Jequitinhonha, Itaobim e cidades circunvizinhas. Entretanto, uma reportagem feita no jornal O Estado de São Paulo[1], sobre o Vale do Jequitinhonha fez este grupo mudar de idéia, conforme consta em diversos estudos sobre o tema.

A principal bandeira do Geraes era proporcionar ao povo do Vale um veículo onde se pudesse discutir os problemas da região, escutando e dando voz a todos que viviam em condições subumanas como forma de buscar “o melhor caminho para uma vida mais justa e humana”. Propunha ser uma “ferramenta de denúncia” frente à ditadura militar e desestruturar as organizações políticas instituídas com base no ranço coronelista. A estratégia era a divulgação das “formas de manifestações e organização” que surgiam “no Vale do Jequitinhonha (comunidades, associações, sindicatos)”. Outra estratégia utilizada era a interatividade com os leitores ao criar uma “rede de informações para construção e circulação do jornal” que contribuiu inclusive para cravar o conceito de homogeneidade à região.

Impresso em Belo Horizonte, o jornal era distribuído de forma gratuita. Jornal independente, posteriormente buscou se manter através de assinaturas de leitores residentes em algumas cidades do Vale e de patrocínios de algumas empresas e comerciantes regionais.  O período de vigência do jornal foi de 1978 até o ano de 1985, através de 23 edições (não havendo consenso sobre este número), o que compreende o fim do período ditatorial e início da abertura democrática da política brasileira.

Festivale: o Geraes na trilha da cultura

A partir de 1977, com a volta do movimento estudantil às ruas e, a partir de 1978, com o advento das grandes greves promovidas pelo movimento operário do ABC paulista, novos ventos sopraram sobre a discussão política e a luta pela democracia. No campo da cultura, entre os artistas e intelectuais de esquerda, renovou-se a vontade de uma participação política mais intensa, passando de uma fase de resistência para outra mais crítica e agressiva. Assim, os artistas tiveram participação decisiva junto aos movimentos de luta pela democracia. Por este período, a televisão já tinha se tornado um poderoso veículo de comunicação que, além de consolidar sua vocação para a teledramaturgia, promoveu a socialização e massificação da cultura.

Nesse contexto, muitos desses movimentos alternativos[2] influenciaram os editores e leitores do jornal Geraes, forjando o embrião do Festivale.  Era o que faltava para dar a forma do movimento cultural do Vale como um movimento alternativo.

 
Edição histórica do Jornal Geraes
Foto: Vilmar Oliveira

Cabe ressaltar dois fatos marcantes que antecederam ao surgimento do Festivale e que podem ser compreendidos como elementos catalisadores que impulsionou o jornal Geraes dar uma guinada estratégica para a cultura do Vale. Trata-se do lançamento do álbum Jequitinhonha – Notas de Viagem e o I Encontro de Compositores do Vale do Jequitinhonha. Com relação ao álbum, Luiz Santiago descreve, no seu livro O Vale dos Boqueirões – História do Vale do Jequitinhonha (1999), que ouviu-se falar “primeira vez em cultura do Vale do Jequitinhonha no fim de ’79. Estávamos no Palácio das Artes,. (...) Encontramos Leri, da dupla Leri e Melão. Ele contou que viajara pelas barrancas do Jequitinhonha, pesquisando música popular na região, que é fantástica – ele disse. Desde menino, já conhecíamos algumas cidades por ele mencionadas; a partir daí (...) a cultura do vale passou a nos interessar. Mais tarde, com o material reunido, mais alguma gravação em estúdio, a dupla Leri e Melão lançou o disco Notas de Viagem, que contou com a participação do Boi de Janeiro, de Itaobim, e dos tamborzeiros do Rosário, de Araçuaí” (pág. 325).

E ao promover, em 1979, o I Encontro de Compositores do Vale do Jequitinhonha, na cidade de Itaobim, que também sediou o primeiro Festivale em 1980, o movimento cultural usou da criatividade ao se apropriar de estratégias utilizadas pela ditadura militar para divulgar o evento. Para isso, fixaram cartazes em faculdades, bares e ruas do centro de Belo Horizonte, com cerca de quinze fotos três por quatro ampliadas e o título de “Procurados”, copiando o modelo das “peças de propaganda antiterroristas do regime militar”. Observando o cartaz de perto, percebia-se que os “procurados” eram “acusados de fazer música do Vale do Jequitinhonha e de serem desconhecidos do grande público (SANTIAGO, 1999)”. Em tempos marcados pela censura e pela perseguição política, o audacioso cartaz chamou a atenção da imprensa mineira, o que contribuiu para a divulgação do Encontro.

O sucesso do encontro de compositores serviu para que os artistas participantes “excursionassem” por diversas cidades do Vale do Jequitinhonha e Mucuri e também por Belo Horizonte. O mais importante foi que nesse encontro definiu-se o nascimento do I Festivale como um evento cultural anual e itinerante, com participação restrita a compositores nascidos ou residentes no Vale. Outro fato importante nesse encontro foi a criação do CCVJ - Centro Cultural do Vale do Jequitinhonha que, juntamente com o jornal Geraes se encarregaram de organizar o movimento cultural do Vale. Porém, movimentos de dissidência provocaram a criação de outras entidades representativas. Mas isso é uma outra história.

[1] Trata-se da reportagem O progresso chegando ao Vale da fome, assinada por Ricardo Kotscho e publicada no jornal O Estado de São Paulo, no dia 28 de agosto de 1977, p. 28. Esta informação foi retirada do livro de Luís Santiago, “Vale dos Boqueirões: História do Vale do Jequitinhonha”, Edições Boca das Caatingas (1999) e a citação da reportagem, inclusive com parte do trecho da mesma, pode ser lida no livro  de Dalva M. Oliveira, “A Arte de Viver: Riqueza e Pobreza no Médio Jequitinhonha. 1970-1990”, Editora da PUC-SP – EDUC (2007).

[2] Desses movimentos, os de maiores destaques foram: a vanguarda paulista, em São Paulo; grupos e músicos individuais com o Boca Livre, Luli e Lucina, Jacques Morelembaum, no Rio de Janeiro; Antônio Nóbrega e o Movimento Armorial proposto por Ariano Suassuna, em Pernambuco e Paraíba; a cultura serteneza proposta por Elomar e Xangai, na Bahia; e em Minas Gerais nomes como Titane, Dorothy e Dércio Marques, o próprio movimento cultural do Vale entre outros. Os movimentos dos estados nordestinos foram os que mais influenciaram o movimento cultural do Vale do Jequitinhonha. Nomes de MPB como Chico Buarque, Geraldo Vandré, João Bosco, Luiz Gonzaga dentre outros, também influciaram os artistas do movimento. NAPOLITANO (2008, pág. 125).

 
(*) Este texto é uma adaptação do capítulo 2 que integra a minha monografia, conforme indicação bibliográfica abaixo:

SANTOS, Geraldo Tadeu de Oliveira. Movimento Cultural do Vale do Jequitinhonha: imprensa alternativa e cultura popular na formação da identidade regional (1978-1990). FAFIDIA/FEVALE/UEMG. Capelinha, 2009. Sem publicação.


Para saber mais sobre o assunto indico alguns livros e textos listados abaixo:

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ARAÚJO, Maria Paula Nascimento. A utopia fragmentada: as novas esquerdas no Brasil e no mundo na década de 1970. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000.

GERAES. Belo Horizonte, ano I, n. 1, maio 1978, p. 2. In LANA, Jonas Soares. Os FESTIVALEs e os movimentos sociais do Vale do Jequitinhonha: canção, mediação cultural e identidade regional (1978-1989). Belo Horizonte, 2008.



RAMALHO, Juliana Pereira & DOULA, Sheila Maria. O Jequitinhonha nas páginas do jornal Geraes: cultura e territorialidade. Contemporâneos: Revista de Artes e Humanidades (Online), v. 4, p. 1-20, 2009.

SANTIAGO. Luís. O Vale dos Boqueirões – História do Vale do Jequitinhonha. Almenara: Edições Boca das Caatingas, 1999.

SILVA, Dalva M. Oliveira. . A Arte de Viver: Riqueza e Pobreza no Médio Jequitinhonha. 1970-1990. São Paulo: Editora da PUC-SP - EDUC, 2007. v. 1.

NAPOLITANO, Marcos. Cultura Brasileira: utopia e massificação (1950-1980). São Paulo: Contexto, 2008.

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