quarta-feira, 31 de agosto de 2011

CISMAS E DEVANEIOS

Quando a inquietude é grande, tenho boa companhia a me aconselhar
  
Por Fernando Brant


A memória filtra o que deve ser lembrado. Ou põe fatos desagradáveis em algum escaninho tão escondido que nunca será encontrado. É defesa, sobrevivência. Melhor recordar o que de bom fizemos ou fizeram por nós, embora esses também sejam acontecimentos que podem e são esquecidos.

Penso nisso ao refletir sobre a intolerância que varre o país, certamente também o mundo. Pessoas que julgávamos esclarecidas babam de ódio quando se veem diante de opiniões diversas das suas. Há uma ditadura nos rondando em nosso cotidiano.

A tão querida pluralidade de pensamento parece ser apenas teórica. Na prática, se alguém não pensa como o grupo não passa de um idiota, um reacionário, um ser desprezível. Tenho muito receio desse tipo de gente que se fecha em alguns dogmas e desconsidera tudo o que seja o discernimento diferente. Se só existisse uma versão, uma possibilidade de compreender a realidade, que vida chata seria a nossa.

Não acompanho as tais redes sociais por saber que, além do que nelas existe de agradável, circula um mau humor, uma intransigência, rancor, raiva. Todos têm opinião formada sobre tudo e descarregam seus preconceitos, sua falta de paciência para ler e tentar compreender com mais profundidade o assunto em pauta. É vapt-vupt. Recebeu, bateu. Fico longe disso e prefiro, pacientemente, meditar, cismar, ruminar, cogitar, devanear.

Às vezes, agredido, tenho ganas de reagir prontamente. Mas a velha sabedoria que nos ensina a contar até 10 me leva a ir ao número mil. Quando a inquietude é grande, tenho boa companhia a me aconselhar. E, depois de uma noite bem dormida, tudo clareia, não só a manhã, mas também a mente. E eu me livro de arrependimentos futuros.

Nessas horas, respirar ao ar livre é bom. Procurar o que meus pais e o tempo vivido me deram, melhor. Educação e civilidade é um bom objetivo a alcançar, para viver. Nessas horas, me afundo nas imagens dos jardins de Monet, que a prima Vera me manda pelo correio eletrônico. Ou escolho entre LPs e CDs músicas que embalam, tocam, entusiasmam e me indicam os caminhos do prazer. Ou abro, na biblioteca, os livros dos poetas que amo, os novos poetas que aprendo a admirar. Ou procuro um filme daqueles que arrepiam, que instigam os sentimentos, que emocionam por sua beleza e humanidade.

E incorporo ao meu pensamento os que amei e os que amo. Os amigos de toda a vida e também os novos que a caminhada pode me apresentar. O passado, o presente e o futuro dos humanos que me cercam, e até o Miró e todos os cães que o antecederam em meu convívio, celebram uma sinfonia que me ajuda a viver a minha travessia.