Por Tadeu Oliveira
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Logo pela manhã, após ler a belíssima crônica do Frei Betto no jornal, trato de concluir pendências do trabalho e programar aquelas outras que, por mais que a gente queira, só serão concluídas no ano novo que já se avizinha. Procuro agilizar as tarefas para que ainda hoje, antes que o expediente acabe, eu possa me dirigir até à Cidade Administrativa para entregar os trabalhos finalizados.
No intervalo de uma e outra atividade, converso com uma colega de trabalho para recolher e passar informações e com uma amiga que ainda não tem programa para a virada do ano. Combinamos que até amanhã, se eu e Cláudia, ela e seu esposo não conseguirem um programa familiar, nesse caso, quem sabe viramos o ano juntos. Afinal, ambos estamos aqui na capital mineira, longe de Capelinha.
Discuto com Cláudia sobre essa possibilidade, ela puxa na memória a passagem de ano novo do segundo para o terceiro milênio. Relembramos que muita gente confiou na superstição de que o mundo acabaria na virada do milênio. E entre frases e risos eis que me vem à lembrança um velho amigo e companheiro da Minas Caixa. Faz uns dez anos que não vejo Dirceu. E o que fez com que ele irrompesse na minha memória foi justamente a frase que os supersticiosos diziam: “De mil passará, dois mil não chegará”. Dirceu a usava de um jeito muito engraçado em momentos fora de qualquer lógica só para criar uma situação hilariante.
Recordo-me ainda de momentos vividos em sua companhia e na companhia de outros colegas da Minas Caixa, lá pelos idos anos de 1980. Ele, por ser um pouco mais velho do que nós que acabáramos de ingressar na caixa dos mineiros, era quem nos guiava para as farras, para a boêmia e botecos de Corinto. Nenhum de nós conseguia ficar triste perto de Dirceu. Ele abusava das brincadeiras. Se tomasse um gole, então é que elas se tornavam mais divertidas. Mas o que ele mais gostava mesmo era de tropeçar de mentira nos dias em que a agência estava mais cheia só para chamar a atenção dos usuários e da clientela. Falava alto, gesticulava, ria muito... ou então soltava impropérios terríveis.
Franzino, Dirceu se revelava mesmo era na quadra de Futsal. Canhoto, como eu, dava prazer jogar ao seu lado. Aliás, eu sempre dava um jeito de estar no time dele e ele no meu time, nas peladas da Minas Caixa. Leve, com boa visão de jogo e de uma raça incomum. Assim como eu, não gostava de perder. O duro mesmo era no dia em que tomava umas e outras antes do peladão. Aí, meu amigo, não tinha jeito de jogar com ele. Enrolava nas próprias pernas, caia a todo o momento, ficava mole feito um molambo.
Dois momentos protagonizados por Dirceu me são particularmente especiais. O primeiro, diz respeito a um dia de pelada em que jogávamos por times diferentes. Num determinado lance, cheguei um pouco mais duro, porém na bola, como se costuma dizer. Percebi que Dirceu, ainda no chão e sem esboçar uma palavra sequer, colocou o dedo em riste num claro gesto de que me daria o troco. No lance seguinte, eis que novamente temos pela frente uma bola dividida e Dirceu não pestanejou em me dar um tranco com toda vontade que tinha direito. Mas coitado do Dirceu: bateu no meu ombro e voou longe dando um nó no ar e estatelando no cimento liso da quadra. Levantou depressa, tentando disfarçar, mas corria meio manco. Após o jogo ele confessou que trombar comigo era a mesma coisa de querer abrir a porta de aço do cofre-forte da agência da Minas Caixa com o peito.
O outro episódio aconteceu num carnaval. Por aquele tempo, andávamos sempre na espreita de conquistar uma garota nos bailes do Clube Ferroviário para poder acompanhá-la em casa, no fim da madrugada. Isso era garantia de beijos e abraços, os famosos macetes. Numa madrugada carnavalesca, Dirceu ajeitou uma donzela nem tão novinha assim, a acompanhou até a sua casa e ficou sob a janela de frente dando caprichados amassos na danada. Quando o dia já estava levantando a sua barra no horizonte, ouviu-se uma voz de poucas amizades ecoando de dentro da casa ordenando que a garota entrasse. Mal despediram-se, Dirceu levou um balde cheio dágua sobre a cabeça, despejado pelo pai da sua paquera. Indignado, foi embora rua acima como um pinto molhado, cruzando com foliões que voltavam bêbados do baile e que não perdiam tempo em soltar ligeiras gozações.
Por onde andará Dirceu? Esta pergunta acompanhou-me pelo resto do dia até que, à tardezinha, após cumprir com as obrigações lá na Cidade Administrativa, eis que a vida me reserva uma grata surpresa. Tomo o metrô na estação Vilarinho rumo ao meu destino e mal a porta se fecha, me deparo com um sujeito franzino e de semblante muito vivo a despeito de todo esse tempo passado. Olho e tenho a minha frente o meu velho colega de trabalho da Minas Caixa e grande companheiro de alegrias, o Dirceu.
Creio ser desnecessário dizer o quanto este encontro é especial para nós dois. Relembramos os bons momentos vividos nos tempos da MinasCaixa até a estação Central, onde ele toma o caminho de sua morada e sigo adiante. Enquanto Dirceu vai pela plataforma, agradeço a Deus por me dar este presente. Lembro-me da crônica de Frei Betto, lida na manhã desse dia, que diz que o Ano Novo é “ano de reavivar antigas amizades, libertar-se de apegos vorazes (...) [e] capaz de reacender em nós energias generosas, consciência crítica, solidariedade discreta, afetos adormecidos, e a irrefreável vitalidade de quem reinventa o amor a cada dia”.
O encontro com Dirceu é prenúncio de um Ano Novo repleto de encontros e alegrias.
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