Fernando Brant
Gente existe que pensa que tem o
rei no umbigo. Anda pela vida como se fosse o maioral, um deus a quem todos
devem reverência. Pisa em quem estiver à frente, o que importa é que seus
desejos sejam satisfeitos. Houve um tempo em que pensei que isso fosse exclusividade
do capitalismo, que exacerba o individualismo e a competição desenfreada.
Aprendi que não importa o nome do regime e que por baixo de discursos de
desprendimento e compreensão coletiva se escondem farsas, mentiras e violência.
É fácil amar a humanidade, essa abstração presente nas palavras dos sinceros e
dos demagogos.
Difícil é, no dia a dia, no cara a cara com as pessoas, respeitar de fato as pessoas com quem convivemos nos lugares em que realmente habitamos: a casa, a rua, nossa cidade. Fala-se muito que padecemos de uma herança colonial que acostumou os que eram, e ainda se sentem, senhores a mandar e desmandar de acordo com sua conveniência. E que nem a independência e a proclamação da República apagaram essa mácula que nos acompanha até hoje.
A igualdade de todos perante o coletivo se apaga, o sociólogo Roberto da Matta nos lembra sempre, diante da frase abominável que ainda se ouve, infelizmente, em nosso país: “Você sabe com quem está falando?”. Quem diz isso é um idiota, que não compreende sua insignificância diante dos semelhantes e, muito mais, diante da vastidão do planeta, que é um grão de areia em relação ao que conhecemos do universo.
Sabemos de inúmeros exemplos de pessoas que se dedicam à solidariedade, à ajuda desinteressada aos outros. Eles são essenciais, embora pareça uma ilusão a ideia de que algum dia, pela tecnologia e pelo esforço de todos, se chegue a uma desigualdade menor, uma igualdade possível. Mas vamos, cada um, fazendo a sua parte. Nas relações do dia a dia em casa, no trânsito, no trabalho, na escola.
E é necessário que se lembre que a generosidade que existe no mundo vem muito mais de pessoas comuns, aquelas que vivem e sofrem o mesmo que seus vizinhos. Não de quem quer se promover, sair nos jornais e postular posições na política ou na sociedade.
Os egoístas são falastrões e pretendem ser os eternos mandões, mesmo que seu mandato tenha se encerrado e, mais importante, que ele seja apenas mais um na multidão. A democracia é o poder de todos, e ninguém manda em ninguém. Os solidários entendem isso, mas preferem se calar por recato.
A cultura, tão desprezada por nossos governos, nos traz sensibilidade, aguça a inteligência, abre caminhos para que compreendamos melhor o barro de que somos feitos. A razão e a falta dela estão com o Oriente e o Ocidente. Os bons não estão só de um lado, nem os maus. O ser humano é complexo, mas vale a pena.
Fonte: Jornal Estado de Minas, Caderno EM Cultura - 19/09/2012