Fernando
Brant
Dia
das crianças, dias das mães e dos pais, dia do índio, dia da mulher, dia do
negro. Uns foram criados pelo comércio, ávido de aumentar seu faturamento.
Outros lembram lutas centenárias. Mas confesso não assimilar bem essas
efemérides. Todo dia é dia da criança, da mãe e do pai. Todo dia é dia do
índio, da mulher e do negro. Todo dia é dia de todo mundo. Para que inventaram
isso? – eu me pergunto.
Começo
com a data em que as crianças são festejadas. Penso nos brinquedos que já
comprei e nos que comprarei. No tempo em que minhas filhas eram pequenos amores
a enfeitar a minha vida, eu dedicava a elas todo o meu calendário. Beijos,
abraços e carinhos. Presença, muita presença, o que era bom para elas e para
mim. Minha profissão, sem burocracia nem horários rígidos, ajudava. E assim,
estamos aqui, respirando uma cumplicidade que é fonte para a minha existência.
Comprei
para elas brinquedos que nunca imaginara ter. Quando eu era a criança, tudo era
mais artesanal. Já existiam, ó modernos, bicicletas, velocípedes e os melhores
jogos de mesa. Nem sonhava com os aparatos tecnológicos de hoje. Mas o que eu
gostava mesmo era de brincar na rua com os amigos. Futebol, bente altas, finca,
bolinha de gude. Fora as doideiras, quem não malucou quando criança? Ficava horas
em frente à basculante da janela de casa imaginando que era motorneiro de
bonde.
Percorria
em pensamento todo o percurso, rua após rua, parando a cada ponto de embarque e
desembarque, que eram chamados de abrigos, apesar de serem descobertos e não
proteger os passageiros nem do sol nem da chuva. Como eu viajei pelas ruas de
Belo Horizonte na imaginação. Imitava a cada movimento todos os barulhos que a
máquina fazia. Pois eu era um conhecedor daquele veículo, amigo dos que
trabalhavam na minha linha.
Anos
mais tarde, a lembrança forte do que foi o meu maior amigo entre os que
conduziam o bonde do Bairro da Serra, me deu a ideia de escrever uma das minhas
canções que mais me agradam: Saudades dos aviões da Panair – Conversando no
bar.
Ao
lado do Zé Motorneiro, admirando os movimentos de acelerar e frear que ele
executava, eu ouvia suas histórias sobre a 2ª Guerra Mundial. O frio da Itália,
as batalhas e perigos que viu e enfrentou, o tiro que ele não levou.
O
que eu sou hoje devo muito aos Zés motorneiro, açougueiro, barbeiro e
sapateiro. Os zés e as marias que povoaram minha infância me ajudaram a
acreditar na simplicidade, no trabalho, na honestidade, no carinho e na alegria
diante da vida, esse presente que recebemos para compartilhar com muito amor.
Fonte: EM Cultura, Jornal Estado de Minas -17/10/2012
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