TEM
UAI NO BAIÃO
Antes de conquistar o Brasil com sua
música, Luiz Gonzaga viveu em Minas Gerais por sete anos. Em Belo Horizonte,
Juiz de Fora e Ouro Fino, ainda nos anos 1930, o sanfoneiro aprimorou sua arte
Por
Eduardo Tristão Girão
Enviado especial
Publicação: 09/12/2012
Jornal Estado de Minas
Antes de conquistar o Brasil com sua música,
Luiz
Gonzaga viveu em Minas Gerais por sete anos
(Luiz Alfredo/O Cruzeiro/DM/D. A Press – 17/08/1956)
Além Paraíba, Juiz de Fora e Ouro Fino – Entre 1932 e 1939, Luiz Gonzaga morou em Minas Gerais.
Foram quatro meses em Belo Horizonte, cinco anos em Juiz de Fora e, por fim,
dois anos em Ouro Fino. Quando chegou à capital mineira, aos 20 anos, o
pernambucano estava longe de ser o Rei do Baião. Decidido a seguir carreira no Exército,
veio completar o contingente do 12º Regimento de Infantaria, que se esfacelou
por ter resistido à Revolução de 1930. Nas duas últimas cidades mineiras, ainda
como militar, fez amigos, aprimorou o toque da sanfona e saiu pronto para se
tornar o grande artista que foi, deixando saudades e, claro, muitas histórias para
trás.
Nem
todo mundo sabe dessa sua temporada mineira, nem mesmo alguns dos pouco mais de
30 mil habitantes de Ouro Fino, onde, aparentemente, todo mundo tem um caso
para contar sobre a passagem do sanfoneiro por ali. Pela oportunidade do
centenário de seu nascimento, que será comemorado quinta-feira, o Estado de
Minas visitou as duas cidades do interior do estado para descobrir como Minas Gerais
influenciou a formação de Luiz Gonzaga e, em Além Paraíba, na divisa com o Rio
de Janeiro, encontrou o mineiro Romeu Rainho, que foi empresário do sanfoneiro
por uma década e o conheceu intimamente.
“Em
Juiz de Fora eu estava folgado, era o mais antigo do grupo. Comecei a fazer
minhas farrinhas. Foi aí que conheci Santo Lima e Domingos Ambrósio, fazendo
bonitas serenatas. Gostava de acompanhar os dois. Saíamos pela rua e tinha
aquelas caboclas diferentes, vindas de toda parte do interior do estado. Foi quando
peguei um acordeom pela primeira vez, das mãos do saudoso Domingos. Foi assim
que fui ficando por aqui”, contou Luiz Gonzaga, em depoimento prestado a Santo
e Romeu quando passou por Juiz de Fora em 19 de setembro de 1980, preservado em
fita de gravador de rolo pela Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage.
“Santo
Lima, cantor do cavaquinho, desinibido. Tinha uma inveja danada dele. Ele sabia
cantar bem e eu não sabia. Mas ele me encorajou, juntamente com Domingos
Ambrósio”, relembrou o artista na mesma gravação. Luiz Gonzaga já tocava
sanfona de oito baixos antes de deixar o Nordeste e, por causa do serviço
militar, teve de aprender a dominar também a corneta, instrumento que auxilia o
comandante a transmitir ordens à tropa. “Estava dando uma de galo, fazendo da
corneta pistom. Queria ser artista e danei a florear na corneta, mas me dei mal
e fui em cana porque toquei bem demais”, completou.
O
artista afirma que Juiz de Fora foi a cidade que mais marcou sua vida depois de
deixar o Nordeste. Saiu de lá em 1937 para continuar como militar, já conhecido
como “Bico de Aço” pela habilidade na corneta. “Eu já estava doido para pegar
outro caminho. Minha vida sempre foi andar, meu destino era andar. Me perguntaram
se eu queria entrar na formação de uma companhia que iria para Ouro Fino e eu
disse: ‘Vou demais’.” Lá fez amigos, teve novos mestres musicais e, dizem,
arranjou outros amores. No palco do Éden Club, centenário clube que existe até
hoje, fez seu primeiro show.
Tudo
isso com o acordeom que comprou de Carlos Alemão, amigo de Domingos, que foi
seu primeiro professor do instrumento. Não era um primor de fole, mas foi com
ele que aprendeu e desenvolveu a técnica musical, lhe permitindo extrapolar a
rotina militar em serestas, bailes, bares e rodinhas de músicos pelo interior
mineiro. Começava a aprender o que era ser artista e, por causa disso, quis
comprar uma sanfona melhor. Escolheu uma no catálogo de um caixeiro-viajante e
começou a pagá-la à prestação para buscar em São Paulo. Era golpe, mas, por
pura sorte, comprou outra igual. E foi ganhar o Brasil.
TOQUE
MINEIRO DA SANFONA DE LUA
No ano do centenário de Luiz Gonzaga, sua
memória permanece viva para mineiros que conviveram com ele nos anos 1930. Em
Juiz de Fora e Ouro Fino, o compositor foi corneteiro do Exército, tocou em
bailes e animou aulas de ginástica com seu acordeom
Por
Eduardo Tristão Girão
Publicação: 09/12/2012 04:00
Casa onde morou Luiz Gonzaga em Ouro Fino hoje abriga
loja de roupas
(Marcos Michelin/DM/D. A Press)
Muito
se fala de Juiz de Fora quando o assunto é a passagem de Luiz Gonzaga por Minas
Gerais. De fato, foi lá onde ele morou por mais tempo, mas Ouro Fino se revela
um verdadeiro arquivo vivo de histórias do artista. Não faltam pessoas que
conviveram com ele e guardam lembranças que permanecem sem registro. Entre a
filha de um ex-professor de acordeom e a senhora que lavou as roupas do Rei do
Baião, há até quem tenha feito aula de ginástica ao som de sua sanfona.
“Luiz
Gonzaga saiu de Exu (PE) adolescente, pobre e sem informação. Chegou a Ouro
Fino como militar e corneteiro e saiu daqui como sanfoneiro, artista e homem.
Foi um rito de passagem”, teoriza o artista plástico ouro-finense Maneco de
Gusmão, de 60 anos. Ele é afilhado de José Rivelli, o Rivelinho, com quem o
pernambucano continuou a aprender música e costumava tocar pela cidade. “Meu
padrinho me mostrava discos e contava histórias dele na cidade. Fiquei com isso
na cabeça”, conta.
A
curiosidade em torno desse período da vida do sanfoneiro motivou pesquisa que
incluiu conversas com moradores da cidade e culminou com a idealização de um
curta-metragem chamado Luiz Gonzaga – Um nordestino em Ouro Fino. História para
o enredo é o que não falta: entre os temas disponíveis estão letra de música
que teria sido escrita por Luiz Gonzaga para o carnaval de Ouro Fino (lembrada
pelo ex-prefeito Sebastião Favilla) e um filho que o artista teria deixado na
cidade (sua viúva ainda está viva).
Se
for para documentar, que seja logo, pois muitas testemunhas dessa história já
morreram, outras passaram dos 90 anos e alguns dos locais onde o artista viveu
já estão descaracterizados. A casa onde morou, por exemplo, continua com duas
palmeiras na frente, mas hoje abriga a malharia Marina Morena. Já a barbearia de
Aldo Zerbinatti, ponto de encontro de Luiz Gonzaga e outros músicos de destaque
na cidade, atualmente está dividida entre as lojas Mundo Mágico das Fraldas e
Chic Bella Modas.
Orley
Zerbinatti, 79 anos, é sobrinho de Aldo e conta como eram esses encontros:
“Todo sábado à tarde, a turma se reunia na porta da barbearia. Meu tio gostava
muito de música e foi o fundador da Lira Ourofinense. Passavam por lá o
saxofonista Rivelinho, o violinista João Bellini Burza, o cavaquinista Arthur
Leal e o acordeonista José Mainardi, além do Gonzaga, que tocava sanfona”. O
pai dele, Orlando, foi diretor do Clube União Operária Beneficente e organizou
baile cuja renda ajudou Gonzaga a comprar outra sanfona.
Vizinha
da antiga barbearia, Helena Ferrentino, de 90 anos, ainda gosta de sentar-se na
calçada ali por perto nos fins de tarde. Ela se lembra exatamente do dia em que
sua professora trouxe Luiz Gonzaga para tocar acordeom durante a aula de
ginástica na Escola Estadual Francisco Ribeiro da Fonseca. “Ele tocava admiravelmente
bem e todos gostavam. Era muito amável e gentil”, afirma. Se a trilha sonora
foi forró? “Não havia nada disso por aqui. Eram valsas, músicas lentas e
suaves”, responde ela.
Iniciação
Quem
certamente ajudou Luiz Gonzaga a dominar esse variado leque de gêneros musicais
foi José Mainardi, acordeonista mais conhecido da cidade, que deu aulas do
instrumento para o pernambucano e se tornou amigo dele. “Eu falava que meu pai
tocava igual ao Rei do Baião, mas minha mãe dizia que era o contrário”, lembra
Maria Lúcia Mainardi, 65 anos, filha dele. José era técnico de rádio,
consertava e tocava piano e tinha conjunto com o qual se apresentava no Éden
Club, onde o então aspirante a artista fez seu primeiro show. Grupos ainda se
apresentam no clube, hoje com palco aumentado e equipado com camarins.
Rivelinho
foi outro mestre de Luiz Gonzaga, como lembra Plínio Miranda, de 77 anos,
ex-redator da Gazeta de Ouro Fino. “Foi Rivelinho que o apresentou a uma
senhora que era acordeonista e com quem teve aulas. Depois é que encontrou
Mainardi. Rivelinho era gênio e o influenciou muito, tanto que quando voltou a
Ouro Fino para fazer shows, nos anos 1960, chamou o amigo ao palco, se
referindo a ele como ‘a pessoa com quem iniciei na arte da música’. Luiz
Gonzaga se transformou em músico aqui”, defende.
Foi
Plínio o autor do artigo “Luiz Gonzaga e Ouro Fino”, publicado na Gazeta de
Ouro Fino para comunicar a morte do artista, em 1989. Boa parte do material que
usou para escrevê-lo recebeu das mãos de Leyde Moraes Guimarães, professora
aposentada de 91 anos, que guarda a coleção inteira (e intacta) do centenário
periódico ouro-finense. Ela não chegou a ouvir Luiz Gonzaga tocar sanfona (mal
se lembra de vê-lo soprando a corneta em desfiles militares), mas para realizar
a pesquisa conversou com muita gente e, obviamente, debruçou-se sobre seus
jornais. “Aqui ele se desenvolveu como sanfoneiro”, confirma ela.
Saudade
Zoraide
Bolognani, 93 anos, garante que, embora ainda não fosse artista, Luiz Gonzaga
deixou saudades em Ouro Fino, pois já havia conquistado amizade de muitas
pessoas da sociedade local. “Ele era muito falante, gostava de contar piada e
de dar risada. Era bonito e tinha o rosto cheio e o cabelo bem crespo. Como era
amigo do meu pai, contava para ele que as moças não davam sossego”, diz ela,
que lavava e engomava as roupas dele.
“As
fardas eram lavadas no quartel, mas eu é que lavava as outras roupas, incluindo
as camisas que ele usava para ir à missa e tocar nos bailes. Não havia máquina
de lavar e fazia tudo à mão, engomando com aquela goma bem ralinha, com
polvilho. Ele andava tão bonito e bem arrumado que parecia ser de família rica”,
lembra ela.
Luiz
Gonzaga deve mesmo ter levado boas lembranças de Ouro Fino. Nos anos 1980,
quando foi tocar em Paranavaí (PR), soube que uma ouro-finense morava na
cidade. Era Therezinha Simões Benassi, hoje com 78 anos e de volta à cidade
natal, a quem o compositor fez questão de visitar. “Ele foi até minha casa e me
disse que em Ouro Fino deslanchou na sanfona, lembrando de Rivelinho, Mainardi
e Cadan”, conta ela.
MULHERENGO
COM SIMPATIA DE SOBRA
Publicação: 09/12/2012 04:00
Só
agora, aos 83 anos, a memória de Romeu Rainho parece estar começando a falhar,
mas sua capacidade de relembrar pessoas, episódios e slogans de patrocinadores
ainda impressiona. Esse mineiro de Juiz de Fora – com “espírito de 18 anos”,
como gosta de ressaltar – acompanhou diariamente Luiz Gonzaga como seu
empresário durante quase uma década, entre os anos 1950 e 1960. Dono de voz
ainda hoje muito bonita, fez carreira no rádio e foi numa emissora que conheceu
o Rei do Baião.
“O
porteiro da Rádio Barbacena, onde eu trabalhava, anunciou um homem me
procurando. Era o Luiz Gonzaga e ele disse que minha voz era boa. O auditório
da rádio começou a ficar cheio de gente achando que ele iria cantar.
Perguntamos quanto ele cobrava para se apresentar e ele disse que não cobrava
nada. No ar, ele disse que iria para a praça tocar e que o ingresso era uma
caixa vazia de colírio Moura Brasil”, lembra Romeu, que hoje mora em Além
Paraíba (MG), na divisa com o Rio de Janeiro.
O
ano era 1952 e o laboratório patrocinava a carreira de Luiz Gonzaga,
possibilitando que ele se apresentasse cada dia numa cidade diferente. A jogada
comercial do sanfoneiro funcionou tão bem que, conta-se, até hoje há quem tenha
frascos de colírio intactos em casa. Se Romeu teve problema ou ficou chateado
por causa disso, não conta, mas fato é que, na mesma noite, foi convidado para
empresariar o sanfoneiro. No dia seguinte, já estavam em Conselheiro Lafaiete
para o próximo show: foram 500 Brasil afora, impulsionados por essa e outras
marcas, como Martini Bianco, Urodonal e Laboratórios Raul Leite.
“Luiz
Gonzaga precisava de um empresário que não o roubasse. Passou muito dinheiro
dele pela minha mão. Não fraquejo. Meu cargo era de confiança e ele confiava em
mim. Nunca brigamos. Aceitei a proposta para ganhar 10 vezes mais do que na
rádio. Melhorei muito de vida nessa época”, lembra. Segundo Romeu, a frequência
de apresentações, diárias no auge, diminuiu muito com o surgimento da bossa
nova, “que entrou esmagando tudo”. Foi quando deixou de empresariá-lo. “Ele já
tinha muito dinheiro e não se preocupou tanto”, revela.
Abraço
“Ele
foi um grande ser humano, verdadeiro cristão. Sabia como lidar com os menos
afortunados. Gostava de ajudar e comprava alimentos para os outros. Para ele,
todo mundo era igual. Depois que eu pagava o hotel, ele gostava de ir abraçar
as cozinheiras. A simplicidade dele o ajudava muito. Cantava com o coração e
era muito sentimental e intuitivo”, resume o ex-empresário.
“Ele
era só um pouco mulherengo, mas na medida certa. Podia escolher com quem queria
se deitar. Que mulher não ia querer se deitar com o Rei do Baião? Com que outro
rei elas poderiam se deitar?”, questiona Romeu. “Ele ganhava muitos presentes,
principalmente coisas de comer, como manteiga de garrafa. Garrafa de cachaça
também, que ele não recusava, mas não bebia. Não era homem de comer muita
carne, nem de beber muito”, completa.
Com
dinheiro e simpatia sobrando, eram muitos os que queriam ser amigos do Rei do
Baião, diz, mas poucos realmente tiveram essa sorte. Entre eles, o
ex-presidente Eurico Gaspar Dutra, o ex-ministro da Justiça Armando Falcão e o
médico Zé Dantas. Com este último, o sanfoneiro escreveu muitas canções, entre
elas O xote das meninas, que nasceu diante dos olhos do ex-empresário. “Luiz
Gonzaga quis ir à fazenda do Zé Dantas, em Pernambuco, para ouvir a conversa
dele e entender por que as meninas novas já estavam querendo namorar. As
músicas que Gonzaga fazia saíam sempre de improviso”, conta.
"FUI
EM CANA PORQUE TOQUEI BEM DEMAIS"
Publicação: 09/12/2012 04:00
O empresário Romeu Rainho com a foto que registra seu
primeiro encontro com
Luiz Gonzaga (Marcos Michelin/DM/D. A Press)
Luiz
Gonzaga era tão musical que conseguia fazer floreios num instrumento com apenas
cinco notas, a corneta. Por ter feito isso durante o tempo em que serviu o
Exército, contrariando a rigidez do ambiente militar, foi repreendido em Juiz
de Fora. Detalhe: o corneteiro, desde aquela época, tem papel muito importante
no batalhão, o de transmitir à tropa as ordens do comando, o que significa
interpretar com fidelidade cerca de 400 toques, cada um com um significado
diferente.
Ele
foi preso, mas não sem certo orgulho, como lembra no depoimento dado à Fundação
Cultural Alfredo Ferreira Lage, em Juiz de Fora, em 1980: “Eu estava fazendo da
corneta pistom. Fui em cana porque toquei bem demais. A disciplina me apanhou e
tive de executar o toque do silêncio certo, porque diziam que era tão bonito do
jeito que eu tocava que os namorados ficavam lá por perto para ir para casa só
depois de tocá-lo. Já sabiam até o dia em que eu estava de serviço para tocar.
Eu recebia pedidos deles”.
Se
o corneteiro erra o toque, o prejuízo para a tropa é grande e pode haver
constrangimento. Quem explica é o subtenente Pasur Cavalcanti Tenório, do 10º
Batalhão de Infantaria, em Juiz de Fora, onde serviu Luiz Gonzaga –
coincidentemente ele também é pernambucano. “O corneteiro é a voz do
comandante”, resume ele.
Atualmente,
o batalhão tem cerca de 700 integrantes e três corneteiros: o que acompanha o
comandante fica sempre atrás e à esquerda dele, traduzindo em notas suas
ordens. “Todo dia tenho de ter um corneteiro. Hoje isso é mais simbólico, mas
ainda tem viés prático, pois sem ele eu não conseguiria transmitir ordens à
tropa”, justifica o tenente-coronel Daniel Pechin Tavares, do mesmo batalhão.
Embocadura
Apesar
de precisar memorizar muitos toques, nem sempre o corneteiro sabe ler
partitura, o que não significa que o instrumento não tenha suas
particularidades. “As notas variam de acordo com a pressão do sopro e a
embocadura. Se você variar um pouquinho, não sai o mesmo som”, conta Wilson
Eber dos Santos, de 21 anos, corneteiro do batalhão juiz-forano desde 2010.
Para
manter a desenvoltura no instrumento, ele estuda cerca de três horas dia sim,
dia não. Ele executa toques para a tropa 10 vezes por dia, sendo que, para
soprar os toques de maneira perfeita, basta ensaiá-los de véspera. “O trompete
é mais difícil de tocar, pois tem três oitavas e a corneta só cinco notas. Para
quem nunca pegou num instrumento de sopro e não sabe música, é muito difícil”,
diz. Ser bom de ouvido é obrigatório.
Pulmão
Marcos Antônio da Silva, 53, é subtenente da reserva remunerada e chegou a
tentar ser corneteiro no batalhão de Juiz de Fora. “Desisti. Comecei a ter dor
de garganta e meus lábios rachavam constantemente. Ir para as armas foi mais
fácil para mim. Muitos corneteiros terminam a vida com problemas pulmonares ou
nas cordas vocais”, conta ele. Seu pai, Marcos Cardoso da Silva, de 103 anos,
não chegou a se aventurar no instrumento, mas conviveu com Luiz Gonzaga nesse
batalhão, onde serviu de 1934
a 1941. “Ele tocava muito bem, era um artista. Uma
pessoa boa”, lembra o veterano, com um sorriso largo no rosto.
AO SABOR DAS LEMBRANÇAS
NA
VARANDA
Entre
os amigos que Luiz Gonzaga fez na capital mineira está Lourival Passos, pai do
instrumentista Célio Balona, de 73 anos. “Ele foi apresentado a Gonzagão por
Jair Silva. Na noite em que se conheceram, papai passou-lhe algumas músicas que
escreveu. Luiz Gonzaga gravou todas entre 1957 e 1961. Foi o caso de Tacacá,
Maceió, Creuza morena, Alvorada da paz, Chorão e Corridinho Canindé”, conta
Célio. A amizade se estreitou e o Rei do Baião sempre visitava o amigo em BH,
aproveitando para se deliciar com a comida mineira. Certa vez, os vizinhos
perceberam quem era o visitante daquela casa da Rua Tenente Garro, no Bairro
Santa Efigênia, e o chamaram. “Gonzagão cantou por quase duas horas na varanda.
A rua ficou fechada, de tanta gente. Ele mandou ver, sem microfone, sem nada”,
lembra Balona.
NA
OFICINA
Quando
passava por BH, o Rei do Baião sempre visitava o Bairro Bonfim. Motivo: lá
funcionava a oficina dos irmãos Geraldo e Antonio Scarpelli, que reformavam
acordeons, concertinas e sanfonas enviadas por fregueses de várias partes do
país. “Quando ia lá, Luiz Gonzaga ficava peruando. Tocava um instrumento,
testava outro. Chegava de manhã e, às vezes, saía à tarde. Era amigo da casa”,
relembra José Geraldo Scarpelli, de 68 anos, filho de Geraldo. Apesar de ter se
tornado executivo, ele faz questão de praticar acordeom. Toca às quintas-feiras
no Marilton’s Bar, que fica no Bairro Santa Tereza.
NO
HOTEL
“Quando
vinha artista do Rio de Janeiro e de São Paulo para BH, a gente corria atrás”,
lembra o sambista mineiro Jadir Ambrósio, de 90 anos. Numa dessas ocasiões, ele
foi para o hotel onde se hospedara Luiz Gonzaga. “Cantei tudo quanto é música,
mas nada serviu. Quando ele estava indo embora, eu disse: ‘Seu Luiz, tenho
outra, mas não sei se o senhor vai gostar, pois é muito chata. Vou te mostrar’.
Que ironia. Comecei a cantar os versos de Buraco de tatu. E ele falou: ‘É isso
que eu quero. Cante o resto’. E foi logo colocando a sanfona”, conta o
sambista. Não deu outra: Gonzagão gravou a parceria de Ambrósio com Jair Silva.
Fonte: Jornal Estado de Minas - 09/12/2012