Fernando Brant
Estou
na cozinha da casa de Vera Brant, cercado, como é de hábito, por gente
sensível, inteligente e criativa. Lá fora, na noite, o flamboyant impera. Tenho
ao meu lado, no melhor lugar de todas as casas, o maestro Jobim e Gonzaguinha.
Diante de quem tem o que dizer, e pensa com profundidade mesmo as coisas do
cotidiano, prefiro falar pouco e ouvir.
A
cerveja molha as gargantas e os bolinhos de feijão nos alimentam. A música, a
poesia, as pessoas e o mundo eram nossos assuntos e o tempo parecia não existir.
Mas estou agora ouvindo uma seresta à frente de nossa casa, em Caldas, Minas
Gerais, na véspera do dia em que meu pai, juiz da comarca, se despedia da
cidade para assumir o mesmo cargo em Diamantina. As imagens são nubladas quando
me lembro do ocorrido. Não tinha completado 5 anos. Ficaram os sons da saudade
dos que ficavam e da gratidão dos que partiam.
E
agora estou, de calças curtas e mirando o presente, pisando nas pedras
capistranas do Tijuco com minhas sandálias de sola de pneu, que nunca acabam.
Vou comprar a revista O Cruzeiro para meus pais e aproveito e adquiro o
primeiro exemplar brasileiro da Luluzinha e sua turma.
O
Zé Aparecido me leva para jantar com ele no Palácio dos Buritis. Eu e o
Hildebrando Pontes nos surpreendemos com a presença iluminada e bem-humorada do
Oscar Niemeyer. Foi uma alegria sem precedentes, dessas que só o Zé tinha
capacidade e generosidade de oferecer aos amigos.
No
Bar Scotelaro, em Belo Horizonte, rompo a madrugada bebendo cerveja com Dedé,
Caetano Veloso e minhas irmãs Vina e Ana. Ali mesmo iniciara, numa noite de
novembro, a comemoração pelo nascimento de minha primeira filha e, mais tarde,
da segunda.
Com
paletó do Toninho Horta, calça preta minha e gravata borboleta de não sei quem,
subo ao palco do Maracanãzinho entupido de gente para, a seu lado, assistir ao
meu parceiro, Milton Bituca do Nascimento, cantar a nossa Travessia, que abria
todos os horizontes para nós.
No
meio de todo esse rodopio temporal e geográfico, a memória me leva e traz pelos
caminhos de minha existência. Não me lembro como começou nem sei como se
encerrará. Mas aprendi muito, disso tenho certeza. Quando olho para os que me
cercam, a vontade que tenho é de gritar ao mundo que é com afeto, compreensão,
carinho que seremos saudáveis parceiros na construção de um mundo mais justo.
A
consciência de que podemos conviver em harmonia e a sede de beleza que só a
amizade, o amor e a cultura podem nos ofertar me embala a fazer rodar o pião
que vai encantar as crianças do mundo.
Fonte: EM Cultura - Jornal Estado de Minas, 12/12/2012