Artistas se dividem em relação à Lei de Direito Autoral, que representa um desafio para a ministra da Cultura, Ana de Hollanda. Apesar da polêmica, texto final não veio a público
Mariana Peixoto
A ministra da Cultura, Ana de Hollanda, ainda não liberou o texto final do novo projeto da Lei de Direito Autoral Foto: Elio Rizzo/Esp.CB/D.A Press |
Entre junho e agosto do ano passado, o anteprojeto, concebido em seminários e reuniões, foi disponibilizado para consulta pública. Nesse período, foram contabilizadas 8 mil sugestões, que teriam sido estudadas pela equipe do MinC para a elaboração do texto. Ao pedir a revisão do documento, artistas e produtores acreditam que a nova ministra possa recuar no que foi discutido na gestão anterior.
Em sua primeira entrevista, Ana de Hollanda disse não ver nenhuma possibilidade de submeter o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) ao MinC. Responsável por cobrar direitos autorais, a instituição está no centro da discussão.
Outro fato que acirrou a polêmica – liderada pelos músicos – foi a retirada, em 20 de janeiro, do selo Creative Commons do site do MinC. A pasta havia aderido ao sistema de gestão de direitos autorais alternativo ao copyright, em 2004, também desde a gestão Gilberto Gil. Artistas e produtores que têm relação próxima com a cultura digital logo chiaram, apontando retrocesso nas discussões.
Além disso, o coordenador do projeto de revisão, Marcos Souza, foi substituído por Márcia Regina Barbosa, da Advocacia-Geral da União, que assumiu a Diretoria de Direitos Intelectuais (DDI) da pasta. Fato é que o tema está sendo amplamente debatido na imprensa e na internet, mobilizando três grupos de artistas e produtores culturais. O mais importante de toda a problemática é que o texto final, objeto de toda a discussão, não veio a público.
GRUPO 1
Manter a lei como está
A Lei de Direito Autoral (nº 9.610) foi promulgada em 1998, como atualização à de 1973. Na época, a tecnologia era outra. A internet estava em franco crescimento, porém banda larga era conceito distante dos brasileiros e os tocadores de MP3 ainda estavam nascendo. Ou seja, download e compartilhamento de arquivos seriam popularizados no país somente nos anos subsequentes à promulgação da lei. Os que apoiam a revisão da lei usam como principal argumento o fato de a legislação vigente tratar como ilegais coisas quase banais nos dias de hoje, como cópia de CD para os tocadores de MP3 ou xerox de um livro.
Quem quer deixar as coisas como estão se apoia no argumento “fruto de muitos anos de discussão e luta em prol de melhorias na legislação, visando maior proteção ao autor”, defendido pela União Brasileira dos Compositores (UBC), uma das duas maiores sociedades musicais do país, em carta divulgada ainda na época das discussões em torno da revisão da lei. A UBC, presidida pelo compositor Fernando Brant, conta em sua diretoria com nomes como Ronaldo Bastos e Sandra de Sá.
Dez dessas associações são ligadas ao Ecad, sociedade civil privada que arrecada e distribui os direitos autorais de músicas que têm execução pública. Os que defendem a lei de 1998 também são contra um ponto demandado por quem apoia a revisão: a criação de um órgão fiscalizador do próprio Ecad. Para os defensores da lei de 1998, isso seria invocar o controle estatal. No entanto, o momento é de cautela, pois todos esperam que a nova ministra tome pé da situação.
GRUPO 2
Mudança das regras
“Tentaram nos tachar como aqueles que queriam destruir o direito do autor, mas somos a favor do fortalecimento dele. Acreditamos que os próprios artistas devem fazer a gerência de sua obra e não um atravessador, como ocorre hoje”, comenta o produtor Everton Rodrigues, ativista do movimento Música para baixar e do projeto Software livre Brasil. Na opinião dele, não é todo artista que tem que liberar sua obra. “A lei deve oferecer um conjunto de possibilidades para que isso ocorra. Hoje, o Ecad nem reconhece o artista que tem sua obra livre.”
Rodrigues dá o exemplo de uma canção que poderia ser livre para tocar em rádios comunitárias e públicas. “Quando quisessem utilizar essa mesma música para uma rádio comercial, uma rede de TV ou um outro tipo de empresa, estas deveriam pagar pelo direito autoral.” Cita ainda o Teatro Mágico, grupo paulista que mistura música, teatro, circo e poesia, como grupo que vem tentando seguir a proposta.
“Eles incentivam o público a escutar sua música sem pagar, que copie o CD para dar a cópia para familiares e amigos. Mesmo assim, em cinco anos o Teatro Mágico vendeu 200 mil CDs. Além disso, nos sites Palco MP3 e Trama Virtual, que remuneram seus artistas (por meio de empresas que patrocinam os sites), as músicas foram baixadas um milhão de vezes. Ou seja, quanto mais pessoas conhecerem, poderão divulgar uma obra e haverá, assim, maiores possibilidades de um artista ser reconhecido.”
GRUPO 3
Terceira via
Desde a semana passada, um grupo vem causando barulho. Autodenominado Terceira Via, reúne personalidades importantes da música brasileira, como Ivan Lins, Roberto Frejat, Ana Carolina e Olívia Hime, que assinaram carta publicada no site BrasilMúsica (www.brasilmusica.com.br). “Posições extremas”, de acordo com a carta, dos outros dois grupos podem levar a questão ao impasse. “Uma proposta conciliadora deverá preservar fundamentos conquistados durante anos de trabalho da classe autoral e também incluir a nova cultura de acesso e consumo de bens culturais”, acrescenta o documento.
De todo o conteúdo da carta, há dois pontos cruciais: a criação de um órgão autônomo que regule o Ecad, e da Secretaria da Música, ligada ao MinC, a exemplo da área audiovisual, que tem a Ancine. Um dos articuladores, o cantor e compositor carioca Leoni, afirma que se preocupou quando viu a ministra Ana de Hollanda “assessorada por pessoas próximas ao Ecad”. “Essa não é uma entidade representativa de classe, não pode falar em nome dos artistas. Queremos mais transparência, pois os autores não têm acesso ao Ecad como dizem. Além disso, hoje, a área musical é como um apêndice da Ancine. E o Brasil não é um país de cineastas, mesmo tendo grandes diretores. É um país de músicos, então precisamos de um órgão que seja nosso interlocutor.”
Também signatário do documento, o cantor e compositor mineiro Makely Ka afirma que é inútil criminalizar o usuário que baixa música. "Esse tipo de ação não faz mais sentido. Os artistas querem receber pelos direitos autorais, como está na carta. A briga é maior, de cachorro grande. Quem tem que pagar pelas músicas são provedores de acesso, fabricantes de equipamentos, as grandes empresas que lucram com isso. "Para ele, dever ser aberta nova discussão com a sociedade. "Ninguém sabe quais sugestões da consulta pública foram incorporadas ao texto da lei. Se a ministra tirou o projeto da Casa Civil, então que o abra para uma nova discussão com a sociedade", conclui.
Fonte: Jornal Estado de Minas, Caderno EM Cultura, sábado, 19/03/2011.
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