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Há mais 26 anos , apresento um programa de rádio intitulado "Canta Minas", na rádio Aranãs FM, de Capelinha MG, com enfoque para a música mineira em todas suas vertentes. Sempre fui apaixonado por música e rádio. Assim sendo, tomei a iniciativa de criar este blog com a finalidade de divagar um pouco sobre as minhas impressões durante os mais de 20 anos de programa. Além da música também sou apaixonado por História e Literatura. Aqui, publicarei crônicas, causos e outras lorotas a respeito de tudo que tenho vivido nesse pedaço de chão que é o Vale do Jequitinhonha. E como não pode deixar de ser, também escrevo sobre a minha querida terra natal, Corinto, e outras vivências pelo mundo afora que me ajudaram a construir uma história de gente comum, sem heroísmos, no entanto carregada pelos "sinais de humanidade"!!! Abraços Gerais!!!

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domingo, 22 de maio de 2011

ERRO DE GRAMÁTICA E GRAMÁTICA DO ERRO

Affonso Romano de Sant'Anna
 
Parece-me equivocada a questão levantada em torno do livro didático Por uma vida melhor, de Heloisa Ramos. Televisão e jornais alardearam que ela quer acabar com a gramática. Dão como exemplo a frase que ela cita: “Nós pega o peixe”. De repente, surgiram defensores alardeando que a gramática tem que ser respeitada, que existe o certo e o errado.

Isso seria óbvio e tranquilo se não fosse, primeiro, o seguinte: há muito, a linguística distingue a norma culta – o português oficial, escrito – da norma popular, de extração oral. O modernismo brasileiro incentivou a inclusão dos “erros” orais na linguagem escrita. Manuel Bandeira brada: “Abaixo os puristas/ todas as palavras sobretudo os barbarismos universais/ todas as construções as sintaxes de exceção”. Nesse sentido, Mário de Andrade escreveu a Gramatiquinha da língua brasileira. Em síntese: contestar a norma é uma das regras da modernidade. E ser criticamente “contemporâneo” não é repetir a ideologia vigente, mas ser capaz de discriminar e categorizar.

É aí que a porca torce o rabo. Esse não é um assunto gramatical, nem apenas escolar. Sem enfoque filosófico e epistemológico, não se chegará a lugar algum. O que é a gramática do erro e erro de gramática? As questões, quando mal colocadas, só aumentam a confusão. Portanto, esbocemos uma análise semiológica.

Vivemos numa cultura esquizofrênica, que Gregory Batteson chama de enlace duplo. Emitimos mensagens ambíguas e contraditórias.
Vejam o contrassenso da cultura contemporânea. O tempo todo nos estão dizendo que os limites e regras já eram. Olhem a publicidade em torno. Não há nada mais sintomático que a publicidade. Alardeiam que não há fronteiras, que a vida, as contas e as chamadas são sem limite. É mentira. Atravessem um sinal vermelho para ver o que acontece. Façam uma redação errada para ver se passam num concurso.

Vejam a arte oficialista que predomina nas galerias e museus: qualquer coisa é arte. Outra mentira. Porque os que pregam a “não arte” apenas se apoderaram cinicamente do conceito de arte. Quando surgiu essa polêmica em torno do “nós pega o peixe”, um artista famoso e “contemporâneo” expunha lençóis brancos, com louvores dos jornais. Desde Duchamp (como mostrei em O enigma vazio) que se toma gato por lebre, ou seja, urinol por escultura e até latinhas de merda por obra de arte.

A esquizofrenia contemporânea se alastra. Na TV, todos esses programas, tipo Big Brother, mostram que não há mais distância entre rua e casa, bordel e sala de jantar. Nos gabamos de liquidar com a ideia de centro e periferia, masculino e feminino, esquerda e direita, vida privada e vida pública.

Hoje, nas universidades e cursos de extensão, há uma vulgata de Nietzsche (pobre Nietzsche!) e as pessoas dizem com arrogância acadêmica que não há verdade, nem falso nem verdadeiro. Dizem mais: que não há mais autoria, que o autor morreu, o sujeito morreu, que a história acabou.

E a coisa piora, porque circula por aí outra vulgata da física. Entendem errado o “tudo é relativo” de Einstein, entendem errado Heisenberg e Niels Bohr e saem dizendo que tudo é regido pelo acaso, pelo aleatório. Não sabem que existe uma teoria do caos e que o caos não é caótico.

Portanto, no caos dessa discussão, vamos botar um pouco de ordem. E nela entro por outra porta da semiologia, da filosofia e do bom senso. Há regras tanto na natureza quanto na cultura. Graciliano Ramos dizia que a repressão começa com a gramática e vai até a polícia política. Gramática não é uma peça solta. Pertence à área da filosofia da linguagem. Não se pode discutir o erro superficialmente, simplesmente condenando-o. De repente, o erro é uma forma de acertar o caminho.

Já dizia a louca e santa Clarice Lispector: “O erro é um dos meus modos fatais de trabalho. Meu erro, no entanto, devia ser o caminho de uma verdade, pois só quando erro é que saio do que conheço e entendo”.
 
Fonte: Caderno EM Cultura - Jornal Estado de Minas, Domingo, 22 de maio de 2011

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