Somos frutos das brincadeiras e dos
jogos da nossa meninice
Por
Fernando Brant
Eu
estava ali, avô, entre as prateleiras da loja de brinquedos. Tinha um objetivo:
comprar algo que fosse do agrado da Clara e do Lucas. Mas viajei pra longe no
tempo, indo parar na contemplação de jogos que nem existem mais. Olhando as
novidades de hoje, antes de me afastar mentalmente para época tão distante, eu
quis mesmo foi refletir sobre minha entrada no mundo dos pais, quando se deixa
de ser recebedor passando a comprador de presentes.
Uma
matéria em um jornal falava de um museu de brinquedos, de pessoas que
colecionam e consertam o que se brincava nos anos 70 e 80 do século passado. Fiquei
com uma vontade forte de saber a localização de tais lugares.
Principalmente
por querer rever uma usina de ritmo e alegria que um dia dei para minhas
filhas. Era um carrinho a pilha, com um palhaço tocando um bumbo. Ao ser
ligado, o carro se movimentava livremente pelo ambiente, o palhaço tocava e o
som ritmado era uma festa para a criançada. As meninas dançavam e pulavam,
sorrisos abertos. E o pai vibrava.
Várias
vezes tentei comprá-lo para presentear outras crianças. Mas ele sumiu do
mercado. Elas certamente se divertiram mais com as bonecas, os cadernos e os
lápis coloridos, as massas para modelar e a diversidade de jogos que as
fábricas inventam para a felicidade da meninada. Mas eu me lembro mesmo é dele,
do “tatac”, nome que recebeu em nossa casa.
Voltando
à realidade, naquele universo de ofertas, eu deveria escolher algo que
agradasse minhas crianças de hoje. Não pode ser muito barulhento, para não
encher o saco dos pais. Não pode ter peças pequenas, para que o veloz garoto de
um ano e meio não ponha na boca e engula. Tem que ter o selo que indica que o
produto não é tóxico. Mas tem de ser algo que seja bom para eles. A
sensibilidade de avô pede ajuda ao menino que fui para poder me desempenhar bem
da tarefa. Claro que com a ajuda da avó, que reclama que eu não tenha falado no
dia dela, na primeira parte desta crônica, quando me referi às varias datas
comemorativas que o comércio e a tradição criaram.
Vida
de criança tem de ser brincadeira. Brincando, elas aproveitando o melhor de
suas vidas e alegram a nossa. Essa manobra imaginária que fiz, esse ir e vir no
tempo, de minha infância à das minhas filhas e delas para os dias de Clara e
Lucas, me ajudou a me esmerar nas escolhas.
Não
foi, no fim, difícil encontrar o que procurava, sem saber antes exatamente o
que seria. A prova do acerto é que desconfio que o presente foi amado pelos
pequenos, mas não só por eles. Vi interesse nos olhos dos adultos. Pois, enfim,
somos frutos das brincadeiras e dos jogos que marcaram nossa meninice. E quem
brincou está sempre disposto a voltar a brincar, o que torna mais suportável
contemplar o lado cruel do nosso mundo.
“Há
um menino, há um moleque, morando sempre em meu coração.”
Fonte: Caderno EM Cultura - Jornal Estado de Minas - 24/10/2012
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