Os anos se passaram e nos tornamos
amigos absolutos
Por
Fernando Brant
Na
tela explodem corações. Na plateia, lágrimas pela história comovente e canto
silencioso pelas belíssimas canções. Dois talentos da música popular brasileira,
que a vida juntou pelo sangue e desuniu no dia a dia da carreira de um e do
crescimento do outro. Desencontros familiares levados ao extremo.
Um
era o Luiz Gonzaga, ídolo maior de gerações de brasileiros. Este, quando as
astúcias cruéis do mercado acenavam com o ostracismo, teve as mãos do filho
para trazê-lo de volta aos palcos com o nome de Gonzagão para contrastar com o
filho, Gonzaguinha. Para voltar a ser considerado grande teve que se unir ao
moleque.
O
Luizinho eu conheci, lá pelos idos de 1968, batendo na porta de um apartamento
em Copacabana. Queria falar com o Milton Nascimento para lhe pedir que cantasse
sua música, O trem, num festival estudantil da antiga TV Tupi. Mas o Milton
estava em Minas por alguns dias. Eu e a namorada passávamos um tempo no pequeno
apartamento da Travessa Angrense. Depois de três tentativas ele desistiu e resolveu
cantar ele mesmo a canção. Assisti pela televisão à sua vitória e ao início de
seu sucesso.
Os
anos se passaram e nos tornamos amigos absolutos. Morou primeiro em minha casa,
na Cachoeirinha, já com intenção de morar em Minas. Depois, com a companheira
mineira, fez sua própria casa, lugar de encontro, por 10 anos, de muitos amigos
da vida cultural de Belo Horizonte. Na cozinha de minha casa, sentávamos ele, eu
e minha mulher em uma pequena mesa de pequenas cadeiras, de minhas filhas, e passávamos
horas em conversas sobre o mundo, o Brasil, a vida e tudo o mais. Assisti ao
constante aprimoramento de sua delicadeza. Sua história era repleta de mágoas,
injustiças. Mas ele guardou bem o amor e a generosidade de Dina e Xavier, que o
criaram no Morro de São Carlos. Foi tecendo aos poucos sua obra original,
conquistou multidões, embalou corações.
Ao
mesmo tempo, foi costurando a abertura do livro de sua vida, começando por
gravar uma série de diálogos ásperos e elucidadores com o pai Gonzaga.
Romperam-se todos os diques e, sem nenhuma psicanálise, foram os dois compondo um
acerto de contas com o passado comum.
Das
trevas do desentendimento foram surgindo pequenas luzes de compreensão, de
respeito, peitos abertos para o que viesse. E o que veio foi a união dos dois
diante de um tempo novo. E os dois cantaram juntos a canção imortal de
brasilidade e beleza. E o povo cantou com eles: é a vida, é a vida, é a vida. Minha
vida é andar por esse país pra ver se um dia me encontro feliz.
Obrigatório
assistir ao filme Gonzaga, de pai para filho.
Fonte: Caderno EM Cultura - Jornal Estado de Minas - 28/11/2012