Disco
do grupo vocal Calíope reúne obras escritas por Villa-Lobos para diferentes formações.
Repertório vai de temas do canto orfeônico à peça criada sobre o poema José, de
Drummond
João
Paulo
O compositor Heitor Villa-Lobos
escreveu mais de 200 obras destinadas ao canto coral
(Arquivo EM)
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A
obra de Heitor Villa-Lobos (1887-1959) é ampla e variada, se espalhando por
mais de 50 anos em diversos formatos e instrumentações. Além disso, o
compositor foi mestre em escrever para orquestra, instrumentos solistas
(violão, piano e violoncelo) e vozes. Para completar, inventava
instrumentações, mesclava erudito e popular, pesquisava fontes populares que
iam da música indígena à africana, em diálogo sempre digno com a tradição
europeia. Uma das mais ambiciosas áreas de sua produção é a obra para coro a
capela, ainda pouco conhecida e valorizada.
Há
muitos motivos para isso, desde a inscrição das peças no projeto político do
Canto Orfeônico (o que dá uma impressão de didatismo e certo autoritarismo),
até o uso de elementos tratados com desprezo por parte dos especialistas. O
disco Vozes do Brasil, do grupo vocal Calíope, com regência de Julio Moretzsohn
é um passo importante para mudar esse panorama. Em 17 peças, são apresentadas
as principais características da música vocal de Villa-Lobos, com direito a
surpresas, como a versão do compositor para o poema José, de Carlos Drummond de
Andrade.
Quem
examinar a lista de obras de Villa-Lobos vai perceber que o compositor sempre
teve o coral a capela entre suas possibilidades. São pelos menos 200 obras, que
vão de uma Ave Maria, de 1914, à peça Bendita sabedoria, composta um ano antes
da morte do maestro. Além da dispersão no tempo, há vários jogos de vozes nos
arranjos do compositor, que chegou a escrever um de seus mais importantes
temas, a Bachiana brasileira nº 9, para orquestra de vozes, ainda que tenha
ficado mais conhecida em sua versão orquestral.
A
seleção de peças do disco do Calíope percorre todas as facetas do trabalho com
música vocal de VillaLobos. A começar pelas músicas que fazem parte o ciclo de
canções do Canto Orfeônico (Villa-Lobos chegou a produzir duas coleções, uma
para alunos e outro para o Orfeão dos Professores), que se inspiram nas várias
manifestações da cultura brasileira. Assim, há canções de temática
afrobrasileira, como Xangô, Jequibau e Estrela é lua nova (que ganha um solo
belíssimo de Lina Mendes); caipira ou sertaneja, com Bazzum, Remeiros de São
Francisco e Papae Curumiassú; e indígena em Duas lendas ameríndias.
Prelúdio
e fuga Outros temas curiosos trazem elementos da cultura portuguesa, como Vira;
e nordestina, em As costureiras, que o compositor descreve como “embolada”.
Nesta peça, o coral se divide entre o fundo, que evoca o barulho das máquinas,
e as vozes que entoam uma melodia triste, um canto de trabalho melancólico. O
disco traz ainda o arranjo original para a Bachiana nº 9, na verdade um
prelúdio de fuga criativo e grandioso.
As
duas peças mais raras do disco têm como texto poemas de Manuel Bandeira e
Carlos Drummond de Andrade. Do poeta pernambucano, Villa-Lobos transforma em
música Invocação em defesa da pátria, de 1943, escrito no clima nacionalista da
entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, arranjada para vozes femininas. No
entanto, o ponto alto fica para a belíssima versão do célebre José, para coral
de vozes masculinas, que recheia ainda de mais angústia o longo poema de
Drummond.
O
trabalho merece ainda destaque pela qualidade das informações do encarte e pelo
cuidado em reproduzir todas as letras, o que é um elemento fundamental para a
fruição das peças em sua inteireza.
Canto Orfeônico
Durante o Estado Novo varguista
(1937-1945), Villa-Lobos desenvolveu projeto de ensino musical a partir do
canto coral. Para isso, criou o Curso de Pedagogia de Música e Canto Orfeônico,
dando origem ao Orfeão de Professores. A proposta didática chegou a milhares de
estudantes, com canções originais do maestro e peças arranjadas a partir da
cultura popular brasileira.
Fonte: Caderno EM Cultura - Jornal Estado de Minas, publicação 27/11/2012