O cantor e compositor mineiro comemora
o lançamento do CD do grupo Cobra Coral e fala de sua carreira ao lado dos
músicos Chico Amaral, Marina Machado e Milton Nascimento
Ailton Magioli - EM Cultura
PERFIL FLÁVIO HENRIQUE: MÚSICO E PRODUTOR
O
que mais incomoda Flávio Henrique em Belo Horizonte é saber que há coisas muito
legais acontecendo na cidade, em termos de valor artístico, que não são
conhecidas no Brasil porque estão restritas à capital mineira. “Se o Cobra
Coral conseguir no eixo Rio - São Paulo o que fez aqui ... ”, tenta imaginar o
cantor, compositor, instrumentista e produtor, cujo mais recente investimento é
justamente o quarteto vocal que está lançando o primeiro disco.
“Acho
que tem dado mais resultado porque é um trabalho despretensioso. Fazemos uma
música menos intelectualizada, mais alegre e feliz, que, associada à nossa
interação de palco, atinge a simplicidade”, aposta o integrante do quarteto, ao
lado de Kadu Vianna, Pedro Morais e Mariana Nunes. Mineiro de Belo Horizonte,
Flávio Henrique, depois de uma passagem pelo Retiro das Pedras (Nova Lima), voltou
a morar no Santo Agostinho, onde viveu por mais de 30 anos. “É um bairro bem
estratégico”, justifica o artista, de 44 anos, lembrando que a região está
perto de tudo.
Graduado
em comunicação social pela PUC Minas, o cantor e compositor é proprietário do
estúdio Via Sonora, especializado em gravação de CDs, que atende também as
agências de publicidade na produção de trilhas para TV, rádio e cinema. “São
uma fonte de renda para manter o estúdio, já que o mercado de CDs hoje é
sustentado com patrocínio”, constata Flávio Henrique, que se considera um jornalista
frustrado. Com o advento das redes sociais, no entanto, ele tem suprido tal
carência, graças à atração de cerca de 6,5 milseguidores no Facebook.
As
duas principais influências na formação musical de Flávio foram a mãe,
professora de música que chegou a dar aulas no Colégio Pandiá Calogeras, em que
ele estudava, e o tio pianista, que pertencia à geração Clube da Bossa, do
Minas Tênis Clube. Em 1994, já aluno da rede Pitágoras, matriculado na mesma
turma de Robertinho Brant, Flávio passou a integrar o grupo Candeia, do qual
quatro dos sete integrantes se profissionalizaram: Serginho Silva e André
“Limão” Queiroz, além dos próprios Robertinho e Flávio Henrique. “Foi uma
experiência tão forte na vida da gente...”, recorda.
Na noite
Desde
então, Flávio Henrique passou a tocar na noite (teclados e guitarra),
acompanhando cantores como Tadeu Franco, Ana Cristina e Sérgio Santos. “Nessa fase,
o grande companheiro de bar foi Dado Prates”, acrescenta Flávio Henrique, cuja
“virada” ocorreu em 1994, quando gravou o disco de estreia, Primeiras estórias,
com as faixas Caçada da onça e Carro de boi inspiradas, respectivamente, nos
contos “Meu tio Iauaretê” e “Conversa de bois”, ambos do livro Sagarana, de
Guimarães Rosa. Lançado pela gravadora Velas, de Ivan Lins e Vítor Martins, o
disco fez o jovem artista trocar o bar pelos estúdios, especializando-se na
composição de canções para artistas como Paulinho Pedra Azul e Ana Cristina,
entre outros.
Cinco
anos depois, NeiMatogrosso batizaria o elogiado Olhos de farol, em que dava
mais uma guinada na instigante carreira solo, com a canção de Flávio que, a
essa altura, já chamava atenção de produtores como Ronaldo Bastos, por cujo
selo, Dubas Música, Flávio Henrique gravaria disco ao lado de Marina Machado,
em 1998. Atraindo para a sua música parceiros do porte de Paulo César Pinheiro,
Murilo Antunes, Sérgio Santos e Ronaldo Bastos, paralelamente à carreira de
autor Flávio exercita-se também no canto, que ele nunca abandonou. “Só agora,
com o Cobra Coral, resolvi cantar no show e no disco o tempo inteiro”, assume.
Em boa companhia
Disco
independente que na opinião de Flávio mudaria a história da música feita na
capital, Baile das pulgas, de Marina Machado, foi produzido por ele em 1999,
época em que inaugurava também a parceria com Chico Amaral. “O disco foi um
divisor de águas de geração”, empolga-se o músico e produtor, lembrando que no
mesmo período as leis de incentivo entravam no mercado cultural.
Em
2000, Flávio se classificaria em quarto lugar no Prêmio Visa de Música –
categoria Compositor, concorrendo com 3,8 mil candidatos de todo o país. A
cantora Marina Machado e o ainda quase amador Trio Amaranto seriam os
companheiros de palco na performance, cujo prêmio em dinheiro resultaria no
aclamado Aos olhos de Guignard, disco coletivo que Flávio fez ao lado de Marina
e do Trio Amaranto.
“Foi
o disco independente de maior tiragem (6 mil cópias) feito na cidade”, lembra.
Gravada posteriormente por Marina Machado, Maurício Tizumba, A Quatro Vozes,
Anthônio, Lúdica Música e Milton Nascimento (Pietá), além de um grupo
brasileiro radicado no Japão, Casa aberta se tornaria o hit de Aos olhos de
Guignard, cuja tiragem esgotada instiga uma nova edição que resultou também em aclamado
show.
Já
em 2002, Flávio Henrique gravou em parceria com Chico Amaral o disco
Livramento, cujo repertório reúne músicas cantadas e instrumentais. Destaque
para as participações de Milton Nascimento, na faixa Nossa Senhora do
Livramento, que Flávio diz ser a que ele mais gosta de sua autoria, por lembrar
Miles Davis, pelos vocalizes e a ausência de letra; e Ed Motta, com Hotel Maravilha,
que seria posteriormente gravada por Marina Machado e Alda Rezende.
Na
sequência ele faria mais dois discos – Sol a girar, de 2005, selecionado no
projeto piloto do programa Natura MusicalMinas, e Pássaro pênsil, de 2008, com
o qual voltaria a uma gravadora, dessa vez a carioca Biscoito Fino. No primeiro,
como gosta de lembrar, já marcava presença o que viria a se tornar o quarteto
Cobra Coral. À exceção de Juliana Perdigão, que não entrou para o grupo por um
acidente de percurso, estavam lá Pedro Morais, Kadu Vianna e Mariana Nunes, os
atuais
companheiros
de Flávio Henrique. Em tempo: em meio a tanto trabalho, Flávio ainda gravaria o
solo Zelig, deste ano, que ela classifica como um disco experimental de
canções.
Arranjos
Durante
a última apresentação da turnê de Pássaro pênsil, em Brasília, diante da
ausência da banda, Flávio, Kadu e Mariana optaram por fazer um show de violão e
vozes, quando aconteceu algo que o compositor classifica de surpreendente. “Os
arranjos vocais começaram a aparecer com uma repercussão de grande impacto”,
recorda o compositor, que percebeu, a partir de então, que a formação vocal
daria pé. Além de cantores, a maioria dos integrantes do grupo são também compositores
e instrumentistas.
Como
ele já havia produzido disco de Pedro Morais, da mesma geração de Kadu e
Mariana, resolveu convidá-lo para integrar o quarteto, cujo primeiro show
ocorreria em junho de 2010, no Museu Inimá de Paula, em Belo Horizonte. “Desde
então, foi uma batelada de convites para shows”, comemora, salientando o fato
de o grupo nunca ter captado recursos para os projetos. “O Cobra Coral é autossuficiente.
Trabalhamos com preços de mercado, o que é sempre melhor, porque nos dá autonomia
para fazer o trabalho”.
Do lado esquerdo do peito
Se
há uma pessoa que Flávio diz conhecer há muito é Milton Nascimento. “De tempos
em tempos ele faz coisas boas. Bituca sempre respeitou o meu trabalho. Ajudou
Marina Machado em uma época e, mais recentemente, fez dois convites para o
Cobra Coral cantar ao lado dele. Trata-se de um amigo, uma pessoa muito
generosa”, reconhece.
“Bituca
é o cara que mais ajuda a gente em Minas Gerais. Desde a geração de Lô Borges
ele dá a alçada. Ajuda a gente a levantar voo. Acho que ele deveria ser mais
reconhecido por isso”, reivindica Flávio, para quem Milton é, sem dúvida, sua
maior influência como compositor, além de Toninho Horta e Hermeto Pascoal,
outras duas assumidas influências. Dos músicos estrangeiros, destaca Bill Evans
(“o bom gosto para tocar piano, não há nada no mundo igual a ele”) e Chet
Baker.
Discografia
»
Primeiras estórias, 1994
»
Flávio Henrique e Marina Machado, 1998
»
Aos olhos de Guignard, comMarina Machado e Trio Amaranto, 2000
»
Livramento, com Chico Amaral, 2002
»
Sol a girar, 2005
»
Pássaro pênsil, 2008
»
Zelig, 2012
»
Cobra Coral, 2012
Fonte: EM Cultura - Jornal Estado de
Minas, 02/12/2012