"Ao perguntar ao maestro Lindomar Gomes o que o levou a apostar num coral desconhecido a ponto de convidá-lo para um evento tão grandioso tendo como referência apenas uma singela página de internet criada por mim, respondeu: 'a simplicidade e pureza'. E ao perguntá-lo novamente se isso por si só isso já seria suficiente para emocionar as pessoas a ponto de levá-las ao choro, ele novamente me respondeu:
'o coral de Veredinha toca o coração das pessoas porque canta com o fogo do amor'”.
O coral em sua primeira apresentação no Museu Abílio Barreto/Bh em 2004. Foto: Arquivo Canta Minas |
“Assim,
se passaram dez anos”. Mas parece que foi ontem. Outro dia mesmo, o Coral Vozes
das Veredas, dava os seus primeiros passos para cantar em outras plagas. Após
três anos da sua fundação, eis que surgia uma oportunidade ímpar de participar
do 2º Festival de Corais de Belo Horizonte, nos dias 26, 27 e 28 de novembro
2004, que homenageava o Clube da Esquina. O convite fora feito pelo idealizador
e realizador do evento, o maestro Lindomar Gomes muito bem definido pelo poeta
Fernando Brant como “um singelo encantador de notas musicais e de pessoas, que
leva a vida sonhando e realizando sonhos”. O convite veio a calhar e nós
audaciosa e despretensiosamente aceitamos. Afinal, desde a sua criação pela
Adecave – Associação de Desenvolvimento da Criança e do Adolescente de
Veredinha – em agosto de 2001, que o Coral cantava e encantava o Médio
Jequitinhonha. As cidades de Capelinha, Turmalina, Minas Novas, Berilo e
Francisco Badaró já haviam se embevecido com as melodias e harmonias emanadas
pelas vozes de Veredinha.
A
euforia e a ansiedade tomavam conta de nós naqueles dias. Eu e Mirinha, uma das
coordenadoras do projeto da Adecave, cuidávamos dos preparativos para o grande
evento buscando apoio e recursos para logística, escolhendo repertório, convidando músicos para acompanhar o coral, organizando ensaios e
realizando oficinas com abordagens comportamentais e relações interpessoais
com a psicóloga Lílian Murta. Até que chegou o dia de tomarmos o rumo da
capital mineira para lá cantarmos pela primeira vez. Se para mim que apesar de
já ter morado em Belo Horizonte nos anos de 1980 sentia-me como estivesse
entrando num território desconhecido, imagine o que aquilo tudo poderia
representar para aquelas crianças com idade entre sete e dez anos que mal
conheciam os arredores de Veredinha!
A
nossa primeira participação aconteceu na noite do dia 26 de novembro de 2004,
sexta-feira, no museu Abílio Barreto após percorrermos por um dia inteiro os quase
500 km
que separa Veredinha de Bh. Assim que chegamos com aquele bando de crianças com
roupas em algodão cru, Mirinha e eu nos entreolhamos e sussurrei entredentes: –
“Meu Deus do céu! O que viemos fazer aqui?” – acompanhado de um enorme frio na
barriga e um aperto no coração. Mirinha corroborou meus sentimentos
acrescentando que devíamos nos manter serenos para não transparecer qualquer
insegurança. Não saberia precisar quanto tempo passou desde nossa chegada até a
hora de nos apresentar. Foram momentos tensos e aflitivos. O ambiente
tornara-se contraditoriamente inóspito apesar da beleza do Museu Abílio Barreto
com seu casarão colonial e da recepção carinhosa e calorosa do maestro Lindomar
Gomes e sua equipe. Nosso figurino, confeccionado em tecido próprios para sacos
e com detalhes em chita colorida e totalmente diferente dos padrões adotados
pelos corais que se via por ali, nos expunha ainda mais aos olhares curiosos. Outro fator
altamente inibidor era o público presente, bem diferente daquele os quais já
havíamos apresentado.
Logo
que subimos ao palco, como um coro de anjos mestiços, o sublime cantar das
meninas de Veredinha enfeitiçou os presentes.
Iniciamos com dois cânones que sempre abrem nossas apresentações:
“Oração Indígena” e “Saudação Africana”. Como fumaça, os receios se dissiparam
e logo seguida a gente cantou “Cantiga pra Lira” de Rubinho do Vale. Faltava
ainda cantar uma música do Clube da Esquina e quando o coral cantou
“Itamarandiba” de Milton Nascimento e Fernando Brant, a plateia já nos ovacionava.
Plateia esta que contava com a presença do poeta e compositor Fernando Brant
que naquela semana, mais precisamente no dia primeiro de dezembro de 2004,
escreveria muitos elogios ao Coral de Veredinha na sua crônica semanal no
jornal Estado de Minas, intitulada “Música nas esquinas e nas praças”, que mais
tarde integraria o livro “Casa Aberta” pela editora Dubolsinho.
Vivenciamos
ainda muitas outras emoções. Eu e o músico Fábio Cordeiro assistimos a um animado
bate papo sobre o Clube da Esquina com Toninho Horta, Fernando Brant, Márcio
Borges, Murilo Antunes, integrantes do movimento, no Espaço Cultural Phoenix da
Universidade Fumec. E na companhia dos músicos Toninho Iglésias e César Loredo
nos inebriamos aos sons do grupo carioca Equale, Affonsinho, Tavito, Telo
Borges, Toninho Horta, 14Bis e Trio Amaranto na praça de Santa Tereza e na
praça em frente a igrejinha da Pampulha.
Aliás, estas duas praças
nos reservaram momentos jubilosos e extasiantes. Durante o dia, só se ouvia
falar do coral e várias pessoas nos acompanhavam por onde fôssemos cantar. Na
noite do dia de 27 de novembro o enorme público na Praça Duque de Caxias, em
Santa Tereza, foi ao delírio na apresentação do Coral Vozes das Veredas. E lá,
nos despedimos do Festival e agradecemos o carinho do público e dos
organizadores, pois no dia seguinte o coral participaria do programa televisivo
Dedo de Prosa, do capelinhense Juninho Elisiário, e faríamos um passeio com as
meninas num shopping acatando sugestão de Rubinho do Vale. Para nossa surpresa,
mal o programa terminou duas belas moças da organização do festival nos esperava
e nos “intimou” a comparecer à praça da igrejinha da Pampulha por ordem do
público presente. Não é preciso dizer que as crianças rejeitaram a ideia. Ao
argumentar que, se nos propusemos a participar do Festival, deveríamos acatar o
pedido, meu argumento as levou a irredutibilidade. Então, tive que apelar para
os versos do poeta que diz que “todo artista tem de ir aonde o povo está”.
Cantando na Pampulha |
Mal
descemos do ônibus na Pampulha e ouvimos o locutor anunciar entusiasticamente:
“acaba de adentrar a praça o coral de Veredinha”. A praça foi ao delírio
transformando as expressões carrancudas dos rostos infantis em largos sorrisos.
Após o desfile de inúmeros corais pelo palco, antes do 14Bis fechar as cortinas
do 2º Festival de Corais, as Vozes das Veredas incendiou o público. Surgia assim, para o
cenário do canto coral de Minas Gerais, um canto novo do cantinho mais fundo do
fundo do Vale do Jequitinhonha.
Fernando Brant, Tadeu Oliveira e o maestro Lindomar Gomes |