Por Douglas Lima (*)
O encontro musical entre Tadeu e Elza só poderia agradar. Com a participação de jovens músicos da cena capelinhense, o espetáculo “Arte, Prosa & Cantoria” rendeu momentos memoráveis no Galpão Cultural
Pela amizade que cultivamos, admito que sou suspeito para escrever sobre Tadeu Oliveira. Há anos me pergunto quando a Câmara Municipal de Capelinha oferecerá a ele o título de cidadão honorário, dada sua relevância para a cidade. Natural de Corinto, Tadeu abraçou Capelinha duas décadas atrás. Desde então, está engajado em diversos projetos das áreas de educação e cultura no município. Além de trazer um sopro de renovação, Tadeu se tornou um agente de conexão entre várias gerações de artistas de Capelinha. Seja com seu trabalho como radialista no programa Canta Minas, da Aranãs FM, seja como regente do Coral Vozes das Veredas, da simpática cidade de Veredinha, Tadeu leva o nome de Capelinha para outras plagas com tanto respeito, que isso o faz tão capelinhense quanto os que nasceram no município.
Foi por meio de Tadeu que conheci Elza Sampaio. Moradora na comunidade do Cisqueiro, ela se destacou inicialmente pelo trabalho em cerâmica. Suas peças carregam as marcas da tradição artesanal do Vale do Jequitinhonha, entretanto, possuem características únicas. As feições e os olhares das “bonecas de barro” de Elza são facilmente identificáveis. Seu talento pode ser conferido na Casa do Artesão, situada no Mercado Municipal de Capelinha, onde Elza e outras/os artistas da região expõem seus trabalhos. Mas Elza não tem apenas as mãos encantadas. Dos seus laços familiares e comunitários ela herdou cantigas e versos que falam sobre a lida na roça e ressaltam o papel das mulheres em contextos rurais. Segundo Elza conta, um de seus sonhos era cantar no palco. Tadeu Oliveira deu o empurrão que faltava.
“Arte, Prosa & Cantoria” prosseguiu, trazendo ao Galpão Cultural a vida nas roças e nas pequenas comunidades, cheia de cantos de labuta e de reza. E cantos de festa também, afinal, ninguém é de ferro e nem só de trabalho vivem as pessoas em Capelinha e no Vale do Jequitinhonha. A participação do grupo de Caboclinhos e do Bumba Meu Boi reforçou a vinculação do espetáculo às manifestações que fazem parte da gênese brasileira. Além do cancioneiro popular, o repertório contou com obras de Rubinho do Vale, Geraldo Vandré, Caetano Veloso, Chico Buarque e Milton Nascimento. O cânone da MPB passeou pelo Galpão Cultural de mãos dadas com uma parte preciosa do que o Vale do Jequitinhonha já produziu em termos musicais. Tadeu também apresentou uma música de sua lavra e outras duas que compôs em parceria com Alexis Eleutério, todas relacionadas a temas que povoaram a noite: o homem e sua relação com a natureza, a luta diária dos trabalhadores e os festejos do povo.
Apesar do viés marcantemente tradicional do repertório, o espetáculo não escondeu seus laços com o mundo contemporâneo. A banda que acompanhou Tadeu e Elza foi um baluarte dessa relação, executando com competência arranjos especialmente elaborados para a ocasião. A guitarra de John Luiz deu fôlego novo a canções que geralmente são interpretadas com o acompanhamento de violão. Em muitos momentos, a flauta transversal de Daniel Vieira manteve diálogo sutil com a viola caipira de Rafael Costa. A percussão de Diego Evantuir transitou entre ritmos indígenas e afro-brasileiros. No vocal de apoio, Syméia Chaves reforçou a potência das vozes de Tadeu e Elza. Mesmo com o curto prazo para desenvolver a proposta, o grupo demonstrou afinidade no palco.
Com alguns ajustes, “Arte, Prosa & Cantoria” pode ganhar maior envergadura. Pelo que foi apresentado no Galpão Cultural, o projeto tem força para ir além dos limites de Capelinha e ganhar o mundo.
(*) Douglas Lima, natural de Capelinha, é mestre em História Social da Cultura pela UFMG. Pesquisador e escritor, ele também compõe suas pérolas musicais.
(*) Douglas Lima, natural de Capelinha, é mestre em História Social da Cultura pela UFMG. Pesquisador e escritor, ele também compõe suas pérolas musicais.