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Há mais 26 anos , apresento um programa de rádio intitulado "Canta Minas", na rádio Aranãs FM, de Capelinha MG, com enfoque para a música mineira em todas suas vertentes. Sempre fui apaixonado por música e rádio. Assim sendo, tomei a iniciativa de criar este blog com a finalidade de divagar um pouco sobre as minhas impressões durante os mais de 20 anos de programa. Além da música também sou apaixonado por História e Literatura. Aqui, publicarei crônicas, causos e outras lorotas a respeito de tudo que tenho vivido nesse pedaço de chão que é o Vale do Jequitinhonha. E como não pode deixar de ser, também escrevo sobre a minha querida terra natal, Corinto, e outras vivências pelo mundo afora que me ajudaram a construir uma história de gente comum, sem heroísmos, no entanto carregada pelos "sinais de humanidade"!!! Abraços Gerais!!!

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quarta-feira, 16 de maio de 2012

UM LUGAR PARA VIVER


Belo Horizonte vista do alto: você se sente em casa nesta cidade?


João Paulo

O recente resultado da eleição para a Presidência da França, com a vitória de Hollande, mostrou, entre outras coisas, que há um ideal de insatisfação com os consensos pessimistas em relação à política e à administração pública. Independentemente dos méritos do novo presidente, a noção de uma certa inevitabilidade da condução conservadora em razão das crises – como se fosse sempre melhor manter que modificar (ou modificar para manter), que é o cerne do conservadorismo – se mostrou incapaz de mobilizar a maioria dos franceses. O retorno às propostas socialistas, desta vez atravessadas pela ideia de crescimento, é prova que existe um potencial de politização ainda a ser resgatado.

Nas últimas décadas, numa reação que respondia à desmobilização individualista da pós-modernidade, os projetos coletivos entraram em coma induzido. A ideologia foi trocada pelas técnicas de administração e as utopias deram lugar ao fim da história. A tradução em termos políticos foi a superação das chamadas “grandes narrativas” em favor de uma lógica da condução dos negócios públicos, quase sempre a partir da inspiração do mercado. A política entrou em baixa para ser substituída por uma visão pragmática tanto em termos administrativos (como se tudo fosse uma questão técnica) como de poder (em vez do debate em torno de propostas, o jogo das alianças para conquistar e manter posições). 

Não é um acaso ou escolha semântica, por exemplo, o nome dado ao novo locus do Poder Executivo em Minas Gerais: Cidade Administrativa. A concepção de um espaço esvaziado de discussão política em nome da racionalidade técnica é um ideal inalcançável – e inviável. Assumir que a cidadela do Bairro Serra Verde é política deveria ser um mérito, não um negaceio de seu destino. Política é algo importante demais para ficar na mão de burocratas. Ao retirar o sítio da política dos interstícios da cidade, o que se comprova, além de sua ineficácia, é que precisamos recuperar nosso destino de animais políticos, sob o risco de nos tornarmos apenas animais.

O desafio que se aproxima para a cidadania brasileira é a eleição de prefeitos. É um dos momentos privilegiados para voltar a fazer política. No entanto, o que se acompanha em Belo Horizonte – e não é muito diferente da maioria das cidades – é uma inversão de foco. O que deveria alimentar as discussões são as diferentes opções para a condução dos vários campos que compõem a vida da cidade. No entanto, o que se observa são debates sempre marcados pela sopa de letrinhas das siglas partidárias, pela viabilidade eleitoral de nomes carimbados, pelas alianças estratégicas (em nome de votos, não de projetos), pela capacidade de financiamento das campanhas. Ficam de fora as propostas para a cidade. Fica de fora a política.

Em 1989, na primeira disputa eleitoral direta para a presidência depois da ditadura militar, uma peça publicitária da campanha do candidato Lula foi um símbolo do que se perdeu. O candidato mostrava uma sala onde várias pessoas reunidas pareciam elaborar um plano de governo. Lula então apresentava as pessoas e dizia que eram os responsáveis pelas propostas nas áreas de saúde, educação, cultura, habitação, segurança etc. O que a imagem afirmava é que havia um projeto coletivo de mudança, que vinha sendo gestado havia muito tempo pela inteligência brasileira (alguns rostos eram reconhecíveis), que se propunha a disputar a hegemonia com o projeto vigente de poder da sociedade brasileira. 

Aquela propaganda, com todos os desvios morais que a publicidade envolve, deixava entrever que havia pelo menos dois projetos na arena. Que existia uma forma de pensar a saúde e a educação, por exemplo, que era completamente diferente do que se fazia então. Não se tratava apenas de quem chegaria ao poder, mas que políticas públicas seriam exercidas em nome do poder conferido precariamente aos novos governantes. Se eles fracassassem em seus propósitos, além da oposição popular durante o governo, seriam afastados do poder no pleito seguinte. 

Há uma política de saúde privatista, concentradora em termos de atenção, individualista, cara e discriminadora; há uma política de saúde pública, descentralizada, universal e inclusiva. Há uma educação pública que atende às exigências de mercado, que julga, exclui, reprova e emite visões de mundo competitivas e discriminadoras. Há uma educação pública que responde por valores humanos e democráticos, que insere, valoriza as diferenças e amplia o debate entre pessoas livres. E por aí vai. Para cada setor da vida humana, em sua tradução política, há formas diferenciadas de exercer o poder do Estado. Cada um dos lados tem seus formuladores, seus seguidores e defensores. A eleição deveria ser o momento em que essas ideias deixam a arena exclusiva do saber técnico para ganhar dimensão política.

Sem humanismo 
Os exemplos da saúde e educação não são gratuitos. As duas mais importantes áreas sociais são campos de batalha de visões de mundo. Na área da saúde, a criação e implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) vem mostrando que há uma oposição poderosa, liderada pelo setor privado e pelos detentores da tecnologia para solapar as bases solidárias e modernas do sistema público de saúde. Em alguns setores, avanços inegáveis como a humanização do atendimento ao portador de sofrimento mental, são hoje questionados em nome da retomada do asilamento e do uso intensivo de medicamentos. Hoje, a internação e até o uso do eletrochoque vêm sendo defendidos abertamente, num atentado não apenas ao saber como à memória de um passado de horror. Ficou para saúde pública apenas o que não dá lucro. “Louco” dá lucro: fica muito tempo internado e o remédio é caro: para o mercado, o melhor dos dois mundos.

No campo da educação, as políticas de inclusão e equidade, como as cotas e a quebra da obrigatoriedade do boletim e da reprovação, todos eles signos de humanização, também sofrem hoje uma saraivada de críticas, quase sempre de fundo autoritário. Com isso, corre-se o risco de se perder um trabalho de fixação dos jovens à escola, em nome de uma competição desabrida, que se esconde sob o álibi da meritocracia. Em vez de ser lugar de inclusão e da diminuição das desigualdades artificiais (ou alguém acha que os “ricos” são mais inteligentes?), a escola passa a ser arena de julgamento e separação de habilidades valorizadas socialmente, quase sempre de acordo com as regras do mercado. Por isso as crianças hoje não falam mais em vocação, mas em melhores oportunidades de emprego e salários. Ninguém quer ser astronauta ou bailarina, os meninos querem ser Neymar e Eike Batista.

Belo Horizonte vem perdendo nos últimos anos alguns avanços que foram construídos coletivamente, como os citados acima. Passou a patrol sobre o SUS e a Escola Plural. Além disso, outras práticas administrativas e políticas foram sendo esvaziadas até perder a efetividade. É o caso do Orçamento Participativo, hoje uma sombra do que representou, que sobrevive como migalha, mais para efeito de marketing (o risco da desativação) do que de correção de rumo dos investimentos definidos de forma centralizada. Outro déficit democrático é vivenciado nos conselhos, que deixaram de ter participação expressiva e foram sucateados e desrespeitados, como se viu na posse do Conselho Municipal de Cultura. A democracia não acaba na eleição, precisa começar por ela.

O que se vê hoje, ano de eleição, é um debate em torno de nomes e partidos. A cidade hoje é muito mais que uma instância de poder. No contexto contemporâneo, ela é o lugar que precisa recuperar a dimensão da convivência com as exigências postas pela diferença. Se há um lugar em que a individualidade toca a coletividade é exatamente na cidade. O separatismo do mercado e as usanças do egoísmo podem nos levar à paralisação. O nó que o trânsito arma a cada fim de tarde deixou de ser uma metáfora para ser uma ameaça real. O que isso tem a ver com eleição? Tudo.

 jpaulocunha.mg@ diariosassociados.com.br



Fonte: Coluna Olhar - Caderno Pensar - Jornal Estado de Minas, Publicação: 12/05/2012